sexta-feira, 9 de julho de 2010

O caso Eliza, e não o Caso Bruno - uma questão de gênero

Talvez eu tenha evitado falar sobre este assunto, porque os assuntos que viram a febre-do-momento nos noticiários me enchem bastante o saco, mesmo quando são comoventes como este ou como o caso Isabela. Como tenho crianças, evito ao máximo ver jornais e todas essas versões escabrosas que eles têm da vida, que eu considero muito mais linda do que isso.

Evitei também, porque por mais que as evidências sempre levassem ao goleiro Bruno, tentei inúmeras vezes pedir às pessoas que tivessem paciência e não julgassem sem que houvesse provas. Agora, o caso parece estar cada vez mais perto de uma conclusão, apesar de ainda não estar tudo esclarecido. Porém, não vou falar necessariamente sobre o caso Eliza. Sim, o caso Eliza e não o caso Bruno. Não é no mínimo instigante que a imprensa trate o caso como "O caso Bruno"? Muito provavelmente porque as pessoas se interessem pelo destino do goleiro famoso e não pelo destino da jovem Eliza. Quem iria acompanhar o caso de uma jovem de 25 anos assassinada por seu ex-amante?

O que me instiga a escrever, porém, são algumas posturas e comentários que tenho ouvido por aí, sobre o caso.
Lembro-me que há algum tempo numa das nossas aulas de doutorado, houve um debate sobre Bruno ter dito que batia na namorada de vez enquando e que isso não era um problema. Tive que me posicionar a favor do futebol, porque, acreditem ou não, o papo era de que isso era coisa de futebol, que babaridades como estas vinham do universo futebolístico. Argumentei que isso não era verdade, era uma vontade de querer ver assim, e dei como exemplo o caso do Diretor da Escola de Medicina da UFBA que disse que baiano era burro e que só tocava berimbau porque era instrumento de uma nota só. Logo, bobagens se dizem a três por quatro e não deve ser muito produtivo olhar a questão por um prisma tão amplo como apenas o ambiente em que se diz uma bobagem ou outra. Jamais defendi o que Bruno disse, mas também não posso aceitar que sua fala seja usada para dizer que é coisa de futebol.

Agora a gente vê toda essa comoção da mídia em cima da história de Eliza. Os casos CSI's são sempre os que a mídia mais adora, porque como no universo da teledramaturgia eles vêm em capítulos. Cada dia uma nova descoberta, novas cenas, novos personagens. Luiz Marfuz, em sua dissertação de mestrado intitulada A DRAMATIZAÇÃO DA NOTÍCIA - A construção do personagem de Leonardo Pareja nos telejornais, analisa esse tipo de comportamento tanto dos meios de comunicação, quanto do próprio envolvido. É o reality-show levado ao seu limite máximo, onde não sabemos se é mais reality ou mais show. Mas também não é este o foco do post.

O que tem aparecido em muitos discursos agora é algo do tipo: "tudo bem que ele 'exagerou' mas ela procurou", ou ainda "os dois estavam errados"! Dá pra acreditar? É possível que alguém em sã consciência consiga atribuir algum tipo de culpa a essa moça? Consiga encontrar justificativa numa barbaridade dessas? Aí não me venham dizer que são apenas os loucos por futebol que pensam assim. (Eu sou louca por futebol e não penso assim). Obviamente este é um pensamento extremamente machista, nojento, asqueroso e insquisidor, mas não acho nada difícil senhoras 'moralistas' estarem pensando o mesmo, até porque há mais senhoras machistas do que podemos acreditar. E senhoras aqui é apenas um termo mais pomposo, pois há garotas, moças e mulheres que dificilmente conseguem se colocar no lugar de uma outra igual ao julgar questões que envolvam relacionamentos entre gêneros.

Lamento profundamente o destino dessa jovem. Lamento o destino de seu filho. Lamento a dor do pai que vê o nome de sua filha assim num história tão bárbara alimentando as páginas e telas de jornal. Lamento a inversão de valores, como citado acima, onde o grande foco da história é o goleiro Bruno e não a vítima.

Não vou fazer teses sobre nenhum dos pontos acima, porque não sou especialista em nada disso. O que sei sobre feminismo ou sobre a dor e a delícia de ser uma mulher é apenas tudo aquilo que já vi e vivi nestes 35 anos de muita luta, alguns desapontamentos e uma certeza de que este é um assunto que não pode ser negligenciado. Quantas mulheres passam diariamente por violências como essa no silêncio e no escuro das paredes de seus quartos? Quantas histórias dramáticas evolvem filhos bastardos, sedução de menores, promessas de felicidade ou qualquer outra coisa parecida com isso?

Eliza não é, nem de longe, culpada por seu fim trágico. Ainda que ela tenha tentado se usar da gravidez para ganhar dinheiro, ainda que ela tenha feito loucuras e bobagens para se tornar uma maria-chuteiras bem sucedida. Ainda que ela tenha feito ameaças ao goleiro de contar isso ou aquilo a quem quer que fosse. Se isso tudo for verdade, será preciso ainda considerar tudo o que leva uma moça a acreditar que este é sua melhor perspectiva de futuro. Mas nada disso, repito, nada disso justifica um crime como estes, ou qualqquer outro crime. A culpa é desses homens truculentos que mataram talvez por estes motivos, mas que - não se enganem - matariam por qualquer outro.

10 comentários:

  1. Bom texto, tentando manter a isençao. Porém, essas moças que se aventuram por aí entre jogadores de futebol, na esperança de engravidar e garantir futuro e status, devem tomar cuidado. Nunca se sabe quando vai dar de cara com um louco pela frente. Neste sentido, elas procuram sim. É atividade de risco. Que o caso sirva de alerta aas Marias Chuteiras da vida.

    Parabéns pelo texto.

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  3. Bela reflexão!
    Nada, absolutamente nada, justifica, não a brutalidade, mas o assassinato! Seja ele bárbaro ou não(é possível um assassinato que não seja bárbaro?).
    Seria bom que tudo isso servisse de exemplo do que não fazer pra subir na vida, ou do que não fazer pra se livrar de um suposto problema...
    É lamentável que não seja assim!
    Esse caso, seja Eliza ou Bruno, acabará como tantos casos passados na gaveta dos esquecimentos.
    Parabens por imortalizar nas paginas de seu blog o tema!

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  4. Parabéns pelo texto, não tiro um ponto ou virgula

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  5. Eu também fico indignada ao ver como a mulher ainda é subjugada pela sociedade. Parabéns pelo texto.

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  6. Eu não vejo machismo na forma como os crimes são chamados, basta lembrar que sempre levam os nomes de seus autores: caso Ritchtofen, Caso Nardoni, Maníaco do Parque... Não seria diferente agora.
    Acho lamentável sim, mas não acho que isso seja coisa do futebol. Pratiquei esse esporte durante muito tempo e embora levasse a alcunha de "sapatão e outros" sempre achei que isso fosse coisa das pessoas de fora. Aliás, por aqiu dizem sempre que futebol é coisa de homem, não é mesmo?
    Mas futebol não define valores ou carater e não me interessa os motivos dela. Nada disso justificaria o que aconteceu. Acho lamentável e sigo me mantendo alheia a todas essas informações porque elas me incomodam e se a imprensa noticia é porque as pessoas querem saber e vira aquela comoção. Aumenta a audiência e os mais afoitos vão para frente da delegacia gritar e fazer escândalos. Enfim, mais um fato lamentável.
    Grande abraço e parabéns pela coerência.

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  7. Obrigada pelo comentários deixados aqui e pelas contribuições de todos.

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  8. Lunna, fiquei pensando em suas observações sobre o nome do caso, quase concordando com vc. Mas aí me vieram umas questões: o caso é Bruno desde que a menina só estava sumida, nem dado como morta havia sido. E Bruno era um simples suspeito, não era ainda acusado, quanto mais autor do que ainda nem era crime. Acho que tem sim, uma coisa de ele ser o famoso da história. Quem iria virar o pescoço estando na cozinha pra ver na sala uma reportagem sobre o caso Eliza??? Outra coisa que eu achei o fim, ia até fazer um post só sobre isso, mas desisti. Teve um programa na Globo que chamou um especilista para calcular quanto Bruno estava perdendo por dia, estando preso, deixando de assinar contratos e faturar alto no exterior. Como é que a gente quer um mundo melhor com nossos filhos lendo o mundo por este ponto de vista? Ou seja, ele não devia ter matado a menina, porque agora ele tá perdendo uma grana. Não é isso que parece estar subtendido na infeliz repostagem? Meu Deus, que horror. Enfim, só pensamentos que nos pegam pra si.

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