terça-feira, 11 de outubro de 2011

BAHÊA MINHA VIDA - uma obra de arte

Meu pai do céu. Por onde começar? Do que falar?

Do filme em si?
Do primoroso trabalho de Márcio Cavalcante e sua equipe?
Da experiência única de ver este filme numa sala de cinema com a plateia mais surreal que qualquer pessoa pode imaginar?

Vou tentar.

Posso começar pela provocação de meu amigo, o querido Jean Wyllys, que desabafou no twitter que não entendia a comoção do futebol, por  mais que tentasse não conseguia passar mais que cinco minutos na frente da tv vendo um jogo. Obviamente seu comentário no twitter e no face recebeu muitos comentários, dos dois lados. Os que fechavam com ele e não viam sentido nos 22 homens atrás de uma bola, blablabla... E outros, que como eu, entendem que não é só uma questão matemática e lógica, mas que resume em atos, fatos e acontecimentos toda a existência humana. Eu que ainda não tinha visto o filme mas que já imaginava como seria emocionante, por ter visto inúmeros trailers e teaseares e porque Alam não só já tinha visto o filme como também viveu a batalha por um ingresso no Iguatemi, invadido por uma onda tricolor, tal qual Pituaçu em dia de jogo. Sem conseguir, saiu correndo para o Glauber Rocha, onde a histeria era menor... Sim, mesmo sem ter visto o filme ainda, eu disse a Jean para vir a Salvador para vermos juntos o filme, para ele entender e sentir o que é isso. E como eu estava certa. Depois, amigo, para batizar de fato, só uma partidinha no caldeirão...


Fila no Iguatemi para ver a estreia do filme
Mal sabia eu que o filme era muito, muito mais do que homenagem ao Esporte Clube Bahia, mais do que um filme sobre futebol, era uma linda poesia sobre a capacidade do ser humano de se entregar a alguma paixão. Paixão no sentido mais pleno do que qualquer outra cultura vai poder experimentar ou compreender. Mas o filme é ainda maior do que isso e essa experiência única, única, Jean, você tem que vir ver e lembrar, mais uma vez e sempre, o quanto é bom ser baiano. O quanto é bom ser Bahêa!

Pense numa sala de cinema em que a cada pessoa que entrava ouvia o bordão: "Bora Bahêa!" E respondia sorrindo, como filho que há muito tempo não vinha almoçar em casa: "Bora Bahêa." Isso depois de uma fila de uniformizados. Isso depois de uma semana em cartaz. Isso numa sala de cinema que não é das mais populares, reduto de intelectuais... Pois é...

De repente, um fi de deus bota o hino no celular. Toda a plateia canta junto. Todo o hino.

Uma plateia de amigos. Uma plateia de irmãos. Parecia uma grande família, almoçando junta.

Durante o filme, gritos de gol. gritos de guerra, cantação do hino, risos, lágrimas, tudo junto. Ao, fim aplausos e confraternização. Gente, uma experiência mesmo muito inusitada. Só quem viveu sabe.

Mas vamos ao filme.

UM ENCONTRO DE GERAÇÕES

Martio Bahia, grande ídolo
O filme é didaticamente dividido em capítulos, não acintosamente, mas fluentemente, dentro de sua dramaturgia de documentário-paixão.

Primeiro, fala-se sobre o futebol. Essa paixão, que como tal, não se explica, por mais que seja gostoso tentar. Tem fala de historiador, jornalista, jogador, torcedor, poeta... Todo mundo vive sua tentativa de explicação.

Aí, entra o time, o clube, a história. Numa primorosa pesquisa que  foi organizada também primorosamente para não cair na chatice em que muitos documentários podem cair, vamos conhecendo a história de nosso amado clube. Sempre com uma polifonia típica do tema. O que eu mais acho gostoso na minha pesquisa é que quando eu toco no assunto eu, que sou teoricamente a pesquisadora, sou a que menos fala. Todo mundo se sente especialista em futebol e é. Ninguém tem vergonha  ou pudor em dar sua opinião e todas as opiniões são ouvidas, comentadas, respeitadas. Assim também é o filme. Todo mundo tem o que dizer e tudo o que se diz, de onde se diz é importante, é fundamental!

Bel Bahia, patrimônio da nossa torcida
Aí, entra a parte para mim mais emocionante do filme. Parte que extrapola tudo o que eu esperava do filme. O encontro dos ex-jogadores do escrete de 59 é um primor. De tudo, por tudo. Senhores pais e senhroas mães: levem seus filhos porque é lindo ver aqueles velhinhos lindos, plenos, doces e que, mesmo com certa dor das limitações da velhice, desfilam suas memórias e sua presença para que aprendamos com eles. É simplesmente emocionante. A edição foi muito feliz em colocar as falhs de memória dos jogadores, não por ser engraçado, mas por ser tocante. Os olhos deles se reconhecendo, é demais. É emocionante. É quase cruel. Poucos são os que não choram. O que é Marito Bahia, meu Deus? E Rubem Bahia, jogador de 1931? Demais.

Lorinho, que amarrava os adversários em seu vudu abaianado
Aí, em dado momento, eu me dou conta de que estou prestes a descobrir o que dizer a meu amigo Jean. Vendo as imagens da torcida, belíssimas imagens, entendo porque o futebol é esse delírio. É porque no futebol, o homem vira menino. Gente, percebam os olhos de homens que se abraçam, que gritam, que choram, que declaram seu amor incondicional ao time. Os olhos, meu deus, são olhos de meninos. E Ziraldo, muito inteligentemente fez nosso mascote com a figura de uma criança. É isso que somos: crianças. E como tal, dedicamos toda energia e seriedade naquilo que fazemos. Acreditamos! É muita alegria por algo aparentemente tão simples. Um dos convidados (que eu não vou me lembrar quem) diz que o futebol é libertador porque o homem abre mão daquilo que lhe caracteriza como humano, que é a possibilidade de usar as mãos. Ele abre mão, deliberadamente daquilo que o identifica, e cria um mundo completamente novo e possível, fazendo mágica com os pés. Demais.

BA X VI: onde o clássico é pacífico


Dos títulos, passamos para o hino, que muito bem lembrado por outro convidado, é um hino à torcida e não necessariamente ao clube. Um chamado, uma trombeta de cavalaria.

Deste ponto, se não estou enganada, o filme avança para  falar da descida às séries B e C e do emocionante retorno. Marcelo Barreto, respeitado jornalista esportivo, lê seu belíssimo texto sobre a subida do Bahia - texto que eu já conhecia e já tinha divulgado aqui neste blog. Os depoimentos emocionantes continuam.

Agora, o que faz do filme um grande feito, não é cada coisa isolada em si. Não é um elemento que se destaca no filme. É o talento que Márcio tem para fazer das vozes populares o maior trunfo. Juca Kfouri é maravilhoso, Marcelo Barreto é demais, os outros comentaristas são muito bons, mas a voz do filme, ah, essa é do povo. Os personagens da torcida tricolor são as estrelas absolutas também do filme e é muito bom a gente reconhecer nas telas essas figuraças que a gente vê sempre que vai a Pituaçu. É lindo ver que eles fazem o filme, que eles são no fundo as grandes estrelas do Bahêa. E cá pra nós, eles falam com uma propriedade que estudioso nenhum jamais vai alcançar.

Bom, acho que não há muito mais o que falar do filme. Na verdade eu nem ando muito inspirada para escrever. Tenho me dedicado muito mais a ver, assistir e aprender.

Mas não poderia jamais deixar de registrar minha emoção e alegria com este filme.

Uma leve tristeza, porque vejo que minha pesquisa de doutorado, tão dura e tão racional jamais chegará perto de tanta beleza, leveza e magia. Mas, vou seguir tocando, né. É preciso terminar esse trem. E, pero que si pero que no, ficará mais um registro sobre essa linda torcida, em outra linguagem, em outra mídia, de outra forma. Minha contribuição.

Márcio Cavalcante - diretor


Obrigada, Márcio Cavalcante e equipe, por um trabalho tão primoroso e apaixonado. Espero que o filme possa circular no país todo, pois é uma grande obra e deve ser apreciada por muitos.

Espero que meu amigo possa assistir ao filme, talvez não mais aqui ao meu lado em Salvador, mas em qualquer outro lugar desse Brasilzão que ele tem percorrido. Que ele se lembre de mim, que sinta - mesmo que não entenda - um pouco desse jeito estranho de ser brasileiro e que perceba de alguma forma que contra tudo o que se possa dizer do futebol, para o bem e para o mal - que ele á algo nosso, intimamente nosso. E simples, e belo, e vivo e apaixonante. E que ele sinta alguma alegria, mesmo que estranha, em ver tantos homens-meninos, juntos, cantando e pulando felizes, esquecendo tantas mazelas e fazendo o que dá pra ser feito aqui nesse mundo estranho que a gente entende tão pouco mas do qual não se pode sair facilmente. Nessa hora, eu acho Jean, nós re-encontramos o princípio criador, e isso não é uma figura de linguagem, não é uma hipérbole. Isso pra mim, é real.


É bolada, Tricolor-estrela!

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

HISTÓRIA DO FUTEBOL na Revista Beleza Bahia

Gentes.
Depois de uma demoradinha, saiu um novo exemplar da Revista Beleza Bahia, com meus dois textos. Um está aqui e o outro no http://www.artedoespectador.blogspot.com/ .

Quem quiser dar uma olhada na revista toda, aqui está o link: BELEZA BAHIA Nas páginas 46 e 47 (FUTEBOL) e 52 e 53 (BELEZAS INUSITADAS).

Abaixo, o texto com um Breve Histórico do Futebol.

DOS RITOS SAGRADOS AO FUTEBOL MODERNO:
UM POUQUINHO DE HISTÓRIA
Adriana Amorim

“Futebol não é uma questão de vida ou morte. É muito mais do que isso”.
(Autor desconhecido)
São, oficialmente, noventa minutos, divididos em dois tempos de quarenta e cinco minutos cada. O espaço do campo tem a forma de um retângulo, figura geométrica que aqui dialoga e contrasta com a perfeição da esfera, rainha do jogo: a bola. As regras atualmente são dezessete. Os agentes envolvidos, diversos. Além dos vinte e dois jogadores que corporificam a partida e dão forma à disputa, espectadores multiplicam-se em milhões, por todo o mundo. Grosso modo, assim resume-se o futebol. Mas, o que pode esconder-se por trás de detalhes relativamente tão simples? Onde nasce este conjunto de fatores que reunidos transformam-se num dos eventos mais populares do mundo? Quais mudanças ao longo do tempo redefiniram esta atividade? A partir de quais elementos culturais o futebol se constrói e ao fazê-lo como interfere na constituição desta mesma cultura? Vamos tentar responder?
O futebol, assim como o conhecemos hoje, é a compilação de regras e procedimentos que melhor se define como futebol moderno. Organizado pelos ingleses no final do século XIX, precisou de menos de um século para espalhar-se pelo mundo, conquistando multidões de adeptos. Antes deste marco histórico na modernidade, porém, muitas são as representações de jogos com bola, de grupos organizados e de desejos de disputa que demonstram estar na gênese deste fenômeno. Coisa de muito tempo atrás.

O campo dos conflitos simbólicos

As práticas envolvendo objetos similares à bola nas mais remotas civilizações agrárias estão associadas na maioria das vezes a ritos que atribuem a este objeto – geometricamente perfeito, sem distinção de lado, face ou dorso, capaz de movimentar-se ao menor impulso e continuar movendo-se a si mesma – o poder criador que é do sol, relacionando-se diretamente a fatores ligados à fartura de alimentos, ou seja, a bola é quase sempre, sagrada.
Seja na América chamada Pré-Hispânica (antes da chegada dos colonizadores), na Europa Medieval, nos países orientais, onde quer que se procure, encontramos diferentes versões do futebol.

Chutando a cabeça dos adversários abatidos e mais adiante bolas feitas dos mais diversos materiais (ela nem sempre foi redonda!), o futebol representou sempre uma espécie de campo dos conflitos simbólicos. Na maioria dos casos, nos mais diversos países, o modelo do jogo consiste numa luta encarniçada pela bola, envolvendo centenas de pessoas, utilizando-se de pés e mãos, estratégias lúdicas e agressivas para garantir a posse da bola, o que resultava em graves contusões, ferimentos diversos e em algumas vezes, em morte. Realizava-se nas bordas dos povoados e das cidades, envolvendo bosques, campos e brejos, onde a bola, feita de couro e preenchida de capim, farelo, folhagem, grãos, ou mesmo uma bexiga cheia de ar, era disputada com intensidade e desorganização. Um exemplo curioso do futebol chamado de pré-moderno era o Soule, praticado na região onde hoje é a França.
Os grupos adversários, aqui, eram compostos segundo critérios de coletividade, envolvendo relações com características quase familiares: comunidades vizinhas, paróquias, cidade versus campo, e similares. Ao mesmo tempo em que estas relações tinham seus critérios de proximidade, eram evidentes os critérios de competitividade. O que se buscava era a defesa do campo enquanto espaço de fertilidade. Vencer o campo alheio, antes de tudo, é garantir a inviolabilidade do próprio campo, espaço físico onde se produz o alimento que garante a sobrevivência. Perceba que não é à toa que chamamos o espaço de se jogar futebol de ‘campo’. Se boa parte dos esportes modernos acontece sobre chão acimentado, ou transformado pelas grandes tecnologias, o futebol jamais deixou de acontecer na terra, no solo, sobre plantas, esses seres com vida.

Um salto para a modernidade – o futebol de hoje

Em 26 outubro de 1863, segundo a maioria das fontes consultadas, são definidas as primeiras regras para este o de bola praticado nas grandes escolas inglesas. Na Freemasons’s Tavern, Great Queen Street, centro de Londres, Inglaterra, estabelece-se o marco do surgimento do futebol moderno. Enquanto as Escolas de Rugby e de Eton eram favoráveis a pontapés nas canelas e o uso das mãos, os de Harrow e de Cambridge, entre outras escolas, defendiam o “jogo do drible”, onde não era permitido o uso das mãos. Esta e outras diferenças na forma de jogar das escolas envolvidas representaram um grande impasse na definição das regras. Somente em 1877, após algumas releituras, é publicada a versão final das regras. Deste debate sobre as regras do esporte, estabelecem-se também novas regras para o Rugby. As regras de todos estes esportes coletivos eram testadas na prática, dentro das universidades que as construíram e, posteriormente, nos torneios inter-escolares.
Apesar da imprecisão da maioria das fontes, há registros de que a primeira partida oficial teve o placar de 14 X 14, em 1864. A esta época, a posição de goleiro não estava definida, o que só aconteceu em 1871. Este jogador podia tocar a bola com as mãos por toda a extensão do campo até o ano de 1912, quando passa a poder manuseá-la apenas dentro da chamada grande área.
Muitas curiosidades, não? Conhecer a história, não apenas do futebol moderno, mas do futebol enquanto ritual coletivo e, por que não, sagrado, nos ajuda a compreender um pouquinho dessa nossa paixão visceral e irrestrita pelo futebol, pelo nosso time. Não que a gente precise compreendê-la, sentir já está de bom tamanho. Mas já que é para estudar alguma história para fazer bonito na mesa de bar, na festa de confraternização, ou para impressionar a gatinha, que seja a história do futebol, estou errada?
Só que a partir daqui, a gente guarda parte dessa história para o segundo tempo. Duvido que você vai conseguir resistir à próxima edição.